Poemas



A Ética dos Canalhas  -  José Silveira 

Se, se deixares dominar
por essa insana e atormentada verve,
apenas para o brilho do pedestal
do seu tutor; cairás no ridículo.


Se tu se perder numa visão una,
no afã do esplendor da ribalta
que teima ficar na penumbra.
Desista...
Não haverá u’a mão no interruptor.


Afogar-se-á no próprio limo,
Desnortear-se-á no próprio limbo.
Mas sobreviverás...
junto à claque dolente.


Mas não me condene.
Não sou quem não quer o olhar,
nas atitudes mais humanas.
Reconheça-se, e renasça.


Se da infâmia
dá-se a útil convivência,
e se as escoras lhe aprazem,
e se atrais as muletas, e se atrelam a ti,
e não rejeitas;
Reveja-se...
Pois se não o escoram,
escoram-se em ti.


Aplaudem-no
enquanto
arauto servil.
Sugarão à tua sombra,
enquanto
houver insensatez,
enquanto
persistires na inércia,
enquanto
esqueceres das virtudes,
enquanto
afastares da razão.


Oh! Corja que se ufanam de inconsequentes ritos.
Oh! Amontoado de sanguessugas, de sede irrestrita.
Oh! Escória de maus que não atendem aos gritos.
Oh! Cruéis de injustos atos sob o escudo da escrita.


Maldita ética dos canalhas sobreviventes.


Oh! Malditos,
ainda individualizam-se,
vestem-se da própria pele
para reconhecerem-se.
Bastam-se, de si; bastam-se,
para alumiarem a tosca mente,
envelhecida, carcomida,
enroscada em sorrisos frouxos,
refrescando o fígado
como os fantasmas
ressuscitados
da velha escrita.


Oh! Seres.
Oh! Pobres Seres
mergulhados no barro
ressequido das velhas palavras.
Delas não se desvencilham,
arrastam-nas em versos
pré e pós aversivos
as inovações.


Lhes são demais as alvoradas.


Sabemos o que escrevem...
É cicuta.
Envenena, e envenenam-se,
não é mais paixão a poesia,
nem mais a ânsia do poema habita.


É maldade gratuita,
e que grotescamente
sob a égide da escrita,
abraçam a palavra, usam-na, e;
em gotas insistentes,
destilam abioto em doses
diárias e permanentes.


Oh! Pobres poetas e suas sutis brutalidades.
‘As palavras não morrem sorrindo’
Dementes!




Das Pessoas que Atingem Posições Elevadas - Walt Whitman


Das pessoas que atingem posições elevadas, 
cerimónias, riqueza, erudição, e similares: 
para mim tudo isso a que chegam tais pessoas 
afunda diante delas — a não ser quando acrescenta 
um resultado qualquer para seus corpos e almas — 
de modo que elas muitas vezes me parecem 
desajeitadas e nuas, e para mim 
uma está sempre zombando das outras 
e a zombar dele mesmo ou dela mesma, 
e o cerne da vida de cada qual 
(a que se dá o nome de felicidade) 
está cheio de pútrido excremento de larvas, 
e para mim muitas vezes esses homens e mulheres 
passam sem testemunhar as verdades da vida 
e andam correndo atrás de coisas falsas, 
e para mim são muitas vezes pessoas 
que pautam as suas vidas por um hábito 
que a elas foi imposto, e nada mais, 
e para mim é gente triste muitas vezes, 
gente afobada, estremunhados sonâmbulos 
tacteando no escuro. 

in "Leaves of Grass"





Onde Nasceu a Ciência e o Juízo? - António Aleixo

MOTE 

— Onde nasceu a ciência?... 
— Onde nasceu o juízo?... 
Calculo que ninguém tem 
Tudo quanto lhe é preciso! 

GLOSAS 

Onde nasceu o autor 
Com forças p'ra trabalhar 
E fazer a terra dar 
As plantas de toda a cor? 
Onde nasceu tal valor?... 
Seria uma força imensa 
E há muita gente que pensa 
Que o poder nos vem de Cristo; 
Mas antes de tudo isto, 
Onde nasceu a ciência?... 

De onde nasceu o saber?... 
Do homem, naturalmente. 
Mas quem gerou tal vivente 
Sem no mundo nada haver? 
Gostava de conhecer 
Quem é que formou o piso 
Que a todos nós é preciso 
Até o mundo ter fim... 
Não há quem me diga a mim 
Onde nasceu o juízo?... 

Sei que há homens educados 
Que tiveram muito estudo. 
Mas esses não sabem tudo, 
Também vivem enganados; 
Depois dos dias contados 
Morrem quando a morte vem. 
Há muito quem se entretém 
A ler um bom dicionário... 
Mas tudo o que é necessário 
Calculo que ninguém tem. 

Ao primeiro homem sabido, 
Quem foi que lhe deu lições 
P'ra ter habilitações 
E ser assim instruído?... 
Quem não estiver convencido 
Concorde com este aviso: 
— Eu nunca desvalorizo 
Aquel' que saber não tem, 
Porque não nasceu ninguém 
Com tudo quanto é preciso! 

 in "Este Livro que Vos Deixo..."



Ruínas - Guerra Junqueiro
I

E é triste ver assim ir desfolhando, 
Vê-las levadas na amplidão do ar, 
As ilusões que andámos levantando 
Sobre o peito das mães, o eterno altar. 

Nem sabe a gente já como, nem quando, 
Há-de a nossa alma um dia descansar! 
Que as almas vão perdidas, vão boiando 
Nesta corrente eléctrica do mar!... 

Ó ciência, minha amante, ó sonho belo! 
És fria como a folha dum cutelo... 
Nunca o teu lábio conheceu piedade! 

Mas caia embora o velho paraíso, 
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso, 
Em nome do Direito e da Verdade. 

II 

Morreu-me a luz da crença — alva cecém, 
Pálida virgem de luzentas tranças 
Dorme agora na campa das crianças, 
Onde eu quisera repousar também. 

A graça, as ilusões, o amor, a unção, 
Doiradas catedrais do meu passado, 
Tudo caiu desfeito, escalavrado 
Nos tremendos combates da razão.    

Perdida a fé, esse imortal abrigo, 
Fiquei sozinho como herói antigo 
Batalhando sem elmo e sem escudo. 

A implacável, a rígida ciência 
Deixou-me unicamente a Providência, 
Mas, deixando-me Deus, deixou-me tudo. 

in 'A Musa em Férias'
Comentário: Nos dois sonetos acima, o poeta português expressa seu amor pela ciência e o quanto ela pode tornar a vida do homem mais fria, triste, sem muitas esperanças, fazendo com que ele deixe de lado a sociologia, filosofia e até mesmo a religião. Dando ao homem a sensação de vazio, afinal de contas, sabemos que a CIÊNCIA não pode "ainda" explicar tudo.


Dinheiro - Pedro Homem de Mello

Quem quiser ter filhos que doire primeiro 
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor! 
Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro! 
— Dinheiro! Dinheiro! 
Ó canção de Amor! 

As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos. 
Os amantes sonham... Sonho passageiro! 
Música de estrelas: Ética de enganos; 
Ilusões, perdidas depois dos vinte anos.. 
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro! 

Teus pais, teus irmãos e tua mulher 
Cercarão teu leito de herói derradeiro 
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!) 
E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer: 
— Dinheiro! Dinheiro! 

Deixa-lhes os versos que um dia fizeste, 
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro. 
E eles te dirão: — Pássaro celeste, 
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste! 

Ó canção de amor! 
Dinheiro! Dinheiro! 

in "Os Amigos Infelizes"


Comentário: O poema nos remete à importância do dinheiro no mundo atual fazendo-se necessário em todas as etapas da vida, sendo que começamos de fato a o dar tal importância na transiçâo da fase da adolescência para a adulta.